segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

História de um Brâmane - Reflexões


O mundo vive em constante aflição, tanto no que diz respeito aos aspectos materiais quanto aos valores morais. O homem tem procurado, a cada dia que passa mais sabedoria e uma razão para sua existência, mas nesse galgar só tem encontrado frustração e infelicidade.
Nota-se no conto “História de um Brâmane” que tal homem atingiu o mais alto nível de sabedoria que pôde. No entanto, ainda não era feliz. A questão principal que se depreende desta história é a oposição de conceitos e valores quando se observa a posição social do homem citado, que era um brâmane, ou seja, o membro da mais alta casta sacerdotal da Índia, a sua condição financeira, que era abundante e a sua sabedoria, que o permitia a dar conselhos mui sábios para os outros. Em contradição, este mesmo homem tinha como vizinha uma senhora muito ignorante e muito pobre, mas que possuía algo que o brâmane nunca tivera, ela possuía a felicidade, e isto é algo que o dinheiro não pode comprar e que não se adquire através de nenhum conhecimento, por maior que ele seja. É o estado de espírito que todos almejam, é a utopia inalcançável. 
De que vale o homem realizar toda a obra de sua vida, preocupar-se com os valores de sua sociedade, buscar o máximo de conhecimento possível se não for feliz?
“É tudo vaidade e aflição de espírito”, como já dizia o profeta. Enquanto o homem se preocupa com riquezas materiais, com vaidades e frivolidades, os lírios não se preocupam com os vestidos que usarão e “Nem Salomão, com toda a sua sabedoria, jamais pôde se vestir como um deles.”
A felicidade pura e plena não se conquista, ela é natural e advém das coisas mais simples possíveis. Ela é a comida que temos todos os dias para matar nossa fome, é a saúde que possuímos para realizar nossas atividades, é o carinho que temos e compartilhamos com quem amamos, é o fato de sabermos que não estamos sozinhos neste mundo por termos amigos com quem contar, é a possibilidade de ter sentimentos, desfrutar dos mesmos e ainda mais, termos o intelecto que nos capacita a compreendê-los. Podemos ser felizes porque estamos vivos em um mundo de incertezas e amarguras, e se aproveitarmos cada momento, atitude, elemento da natureza, nossa vida terá mais vigor e sentido, pois de nada servirá a sabedoria se não soubermos utilizá-la.
Por isso, se atentarmos para as peculiaridades da vida poderemos encontrar a felicidade, pois ela pode estar no nosso bairro, na nossa família, pode estar bem do nosso lado; à nossa porta, como no caso do Brâmane, e muitas das vezes, pode estar dentro de nós mesmos, requerendo somente um pouquinho de atenção para que a enxerguemos e desfrutemos dela. Sejamos simples como as estrelas do céu, pois “antes de Mussolini e de Stalin, já existiam as estrelas e depois que eles tiverem passado, elas ainda continuarão a brilhar.”

História de um brâmane - Voltaire


Encontrei nas minhas viagens um velho brâmane, homem bastante sábio, cheio de espírito e erudição; de resto, era rico, e por isso mesmo ainda mais sábio; pois, como nada lhe faltasse, não tinha necessidade de enganar a ninguém. Seu lar era muito bem governado por três belas mulheres que porfiavam em agradar-lhe; e, quando não se divertia com eles, ocupava-se em filosofar.
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Perto de sua casa, que era bonita, bem ornamentada e cercada de encantadores jardins, morava uma velha hindu, carola, imbecil e muito pobre.
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- Quem me dera não ter nascido! - disse-me um dia o brâmane. Perguntei-lhe por quê. - Há quarenta anos que estudo - respondeu-me -, e são quarenta anos perdidos: ensino aos outros, e ignoro tudo; esse estado me enche a alma de tal humilhação e desgosto, que me torna a vida insuportável. Nasci, vivo no tempo, e não sei o que é o tempo; acho-me num ponto entre duas eternidades, como dizem os nossos sábios, e não tenho a mínima idéia da eternidade. Sou composto de matéria, penso, e nunca pude saber por que coisa é produzido o pensamento; ignoro se o meu entendimento é em mim uma simples facudade, como a de marchar, de digerir, e se penso com a minha cabeça como seguro com as minhas mãos. Não só o principio de meus pensamentos me é desconhecido, mas também o principio de meus movimentos: não sei por que exito. No entanto, cada dia me fazem perguntas sobre todos esses pontos; é preciso responder; nada tenho que preste para lhes comunicar; falo bastante, e fico confuso e envergonhado de mim mesmo após haver falado. O pior é quando me perguntam se Brama foi produzido por Vishu, ou se ambos são eternos. Deus é testemunha de que nada sei a respeito, o que bem se vê pelas minhas respostas. "Ah! meu reverendo", imploram-me, "dizei-me como é que o mal inunda toda a terra." Sinto-me nas mesmas dificuldades que aqueles que me fazem tal pergunta: digo-lhes algumas vezes que tudo vai o melhor possível; mas aqueles que ficaram arruinados ou mutilados na guerra não acreditam nisso, nem eu tampouco; retiro-me acabrunhado da sua curiosidade e da minha ignorância. Vou consultar nossos antigos livros, e estes duplicam as minhas trevas. Vou consultar meus companheiros: respondem-me uns que o essencial é gozar a vida e zombar dos homens; outros julgam saber alguma coisa, e perdem-se em divagações; tudo concorre para aumentar o doloroso sentimento que me domina. Sinto-me às vezes à borda do desespero, quando penso que, após todas as minhas pesquisas, não sei nem de onde venho, nem o que sou, nem para onde vou, nem o que me tornarei.
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O estado desse excelente homem me causou verdadeira pena: ninguém tinha mais senso e boa fé. Compreendi que, quanto mais luzes havia no seu entendimento e mais sensibilidade no seu coração, mas infeliz era ele.
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Vi no mesmo dia a velha sua vizinha: perguntei-lhe se alguma vez se afligira por saber como era a sua alma. Nem chegou a entender minha pergunta: nunca na sua vida refletira um momento sobre um só dos pontos que atormentavam o brâmane; acreditava de todo o coração nas metamorfoses de Vishnu e, desde que algumas vezes pudesse conseguir água do Ganges para se lavar, julgava-se a mais feliz das mulheres.
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Impressionado com a felicidade daquela pobre criatura, voltei a meu filósofo e disse-lhe:
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- Não te envergonhas de ser infeliz, quando mora à tua porta um velho autômato que não pensa em nada e vive contente?
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- Tens razão - respondeu-me ele; - mil vezes disse comigo que seria feliz se fosse tão tolo como a minha vizinha, e no entanto não desejaria tal felicidade.
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Essa resposta me causou maior impressão que tudo o mais; consultei minha consciência e vi que na verdade também não desejaria ser feliz sob a condição de ser imbecil.
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Expus a questão a filósofos, e eles foram da minha opinião. "No entanto", dizia eu, "há uma terrível contradição nessa maneira de pensar." Pois de que se trata, afinal? De ser feliz. Que importa, pois, ter espírito ou ser tolo? Mais ainda: aqueles que estão contentes consigo estão bem certos de estar contentes; mas aqueles que raciocinam não se acham tão certos de bom raciocinar. "É claro", dizia eu, "que se deveria preferir não ter senso comum, uma vez que este contribua, o mínimo que seja, para o nosso mal-estar." Todos foram de minha opinião, e todavia não encontrei ninguém que quisesse aceitar o pacto de se tornar imbecil para andar contente. Donde conclui que, se muito nos importamos com a ventura, mais ainda nos importamos com a razão.
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Mas, refletindo bem, parece uma insensatez preferir a razão à felicidade. Como se explica, pois, tal contradição? Como todas as outras. Aí há muito de que falar.


Leitura Reflexiva - Contos

A leitura, por si só, é um ato de reflexão, uma vez que estamos pensando, e, portanto, nosso cérebro estabelece conexões com aquilo que lemos. Mas quando falamos em leitura reflexiva, estamos indo além: uma leitura reflexiva acontece quando o leitor observa mais a fundo o conteúdo da obra, e consegue fazer ligações com outras áreas, autores, obras, enfim, estabelece elos com diversos tipos de conhecimento que estejam ligados, de alguma forma, com o contexto em questão.
Vamos começar, então, a tecer reflexões sobre alguns pequenos contos de autores, como: Voltaire, Machado de Assis, Guy de Maupassant, Clarice Lispector, Jorge Luís Borges, etc, a fim de que nossos conhecimentos se cruzem e que possamos enriquecer nossa forma de ver e criticar o mundo à nossa volta.





Ler, Ler, Ler!

A leitura é uma ferramenta importantíssima para quem se importa com a interação; a partir da leitura, podemos expandir nossos horizontes, à medida que conhecemos novos mundos, culturas, pontos-de-vista, ao mesmo tempo que contrapomos com nossas ideias, visões e pensamentos. O que é a leitura senão uma forma de interagir com o mundo?
Está muito enganado quem pensa que aquele que lê está se excluindo do mundo, e é muito solitário. Ainda que possa ser uma atividade unilateral, se pararmos para refletir, ela não é tão unilateral assim: quando lemos, estamos interagindo com o produtor do texto, com o enredo da história, com os personagens, passeamos pelos lugares, refletimos sobre as ações. Ora, se isto não é interação, então mudaram o significado da palavra.
A interação que ocorre quando lemos um livro pode ser muito mais interessante do que uma conversa por MSN, por exemplo, ou uma conversa real, pois com uma obra, você pode fazer conjecturas prévias, pode criar expectativas sobre o enredo, e pode, até mesmo, conversar com o leitor, como fez o nosso ilustríssimo Machado de Assis, quando inaugurou a conversa com o leitor na literatura brasileira.